domingo, 25 de abril de 2010

Jorge Furtado e o novo cinema brasileiro



Arquivado em: Vinícius Pereira

Numa época em que a temática social está tão presente no cinema nacional, um gaúcho de 48 anos é responsável por trazer um ar diferente à nossa produção. Desde a década de 80, ficou evidente que Jorge Alberto Furtado seria um dos grandes nomes que fizeram o Brasil ser reconhecido por seu cinema no exterior. Como um dos criadores da Casa de Cinema de Porto Alegre, realizou O curta-metragem Ilha das Flores, considerado um dos melhores de todos os tempos, ganhando o Urso de Prata em Berlim através de um retrato crítico da sociedade de consumo, numa trama bastante inovadora (mostra a trajetória de um tomate, desde sua plantação até ser jogado no lixo). Logo a TV Globo soube aproveitar o talento do jovem cineasta e ele passou a ser um dos principais roteiristas da emissora durante os anos 90, o que culminou na divertida minissérie A Invenção do Brasil, já no ano de 2000. Contudo, após se dedicar a vários curtas e trabalhos de renome para a televisão, chegou a vez de se arriscar em algum longa-metragem, ainda que fosse um projeto tão pessoal como tudo aquilo que havia comandado até então.

Assim surgiu Houve uma Vez Dois Verões, seu primeiro longa que recebeu elogios de toda a imprensa com uma trama pop e que dialogava diretamente com o público jovem. Literalmente era algo muito novo para aquilo que o público estava acostumado em termos de cinema nacional, fato pelo qual não ganhou tanto destaque num ano em que também foi lançado o fenômeno Cidade de Deus. O filme, protagonizado por seu filho Pedro Furtado, consegue surpreender o espectador graças à montagem inteligente, além de contar com uma trilha bastante marcante que valoriza o rock nacional - muitas das canções foram gravadas especialmente para o filme, contribuindo para o desenvolvimento da trama. Não chegava a ser algo essencial dentro de sua filmografia, mas sem dúvida Houve uma Vez Dois Verões foi um belo début que novamente lhe rendeu vários prêmios importantes, mas dessa vez apenas no Brasil - e na maioria das vezes reconhecendo apenas seu trabalho como roteirista, mostrando que ainda precisava evoluir como diretor.

13 de Junho de 2003. Essa foi a data em que Jorge Furtado passou de coadjuvante a um dos protagonistas dentro do novo cinema brasileiro. Após a estréia de O Homem que Copiava, a pergunta que ficou foi como o cineasta alcançou um resultado tão perto da perfeição nesse que era apenas seu segundo filme. Novamente o público preferiu a temática social exacerbada de Carandiru em detrimento ao novo longa de Furtado, ainda que tenha conquistado mais uma vez a crítica. Entretanto, claramente estávamos diante de um filme com potencial para ficar entre os melhores da retomada de nosso cinema. A trama é cheia de reviravoltas e foi o primeiro dos trabalhos do diretor ao lado do Lázaro Ramos, outra grande revelação que vinha para ficar. Mais uma vez vencedor de vários prêmios (uma constante em sua carreira), o longa tem um roteiro melhor do que a maioria dos filmes americanos com proposta semelhante que já vi, inclusive com alguns interessantíssimos momentos de animação que por vezes lembram o posterior Anti-Herói Americano. Era um sopro de vitalidade em nosso cinema, mas isso era apenas o começo.

Voltando para os temas jovens, Furtado fez de Meu Tio Matou um Cara um dos seus maiores sucessos comerciais. Claramente foi um retorno para o tipo de filme que aparentemente mais gosta de fazer, tendo adolescentes como protagonistas numa comédia que nem de longe é violenta como o tema sugere. É um estilo de cinema pouco visto no Brasil, sendo notável a intenção do cineasta ao propor histórias cujo principal objetivo seja o entretenimento de seu público, ainda que não abandone sua parte de crítica social (como não poderia deixar de ser). Incrível como a sensação de que seu realizador tem capacidade de fazer algo melhor do que tudo aquilo é colocada em segundo plano, especialmente pela questão de não ser um filme pretensioso em momento algum. É um retrato divertido da classe média que não cai em exageros e ainda traz um interessante desfecho que combina com sua natureza descompromissada. Foi seu filme menos reconhecido, mas sem dúvida um dos mais divertidos.

Em 2007, já com Saneamento Básico, Jorge Furtado provou aquilo que todos já sabiam: simplesmente ele não faz filme ruim! Mais do que isso, Saneamento também pode ser considerado como uma evolução em sua carreira, apresentando um roteiro excepcional que diverte ao mesmo tempo em que conscientiza seu espectador sobre a importância da preservação natural. Não é fácil para um cineasta chegar ao seu quarto longa-metragem com uma disposição ainda maior do que aquela observada em sua estréia. É por essas e outras que nosso cinema deve ser valorizado. Há um tempo atrás, a preferência pelo cinema estrangeiro era mais do que compreensível, afinal nossa produção ficou parada por um longo período e sofria de uma terrível falta de criatividade (devido às próprias condições do momento). Contudo, ainda que a quantidade de filmes brasileiros acima da média não seja a ideal, já não é raro as produções que se equiparam em qualidade àquilo observado no exterior. Para nossa sorte, Jorge Furtado certamente está nesse grupo de diretores brasileiros que, mesmo com todas as adversidades já conhecidas, consegue fazer um cinema de primeiro mundo.

Ranking Jorge Furtado

1. O Homem que Copiava (2003, diretor/roteirista)
2. Ilha das Flores (1989, diretor/roteirista) [curta]
3. Saneamento Básico (2007, diretor/roteirista)
4. Houve uma Vez Dois Verões (2002, diretor/roteirista)
5. Antônia (2006/2007, roteirista) [TV]
6. Meu Tio Matou um Cara (2004, diretor/roteirista)
7. A Invenção do Brasil (2000, diretor/roteirista) [TV]
8. Os Normais - O Filme (2004, roteirista)
9. Luna Caliente (1999, diretor/roteirista) [TV]
10. Tolerância (2000, roteirista)

Fonte:http://blogcinemateque.wordpress.com/2008/03/05/jorge-furtado-e-o-novo-cinema-brasileiro/

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