domingo, 25 de abril de 2010

Filme mostra homem que atravessou torres gêmeas em corda ba




Na manhã de 7 de agosto de 1974, depois de meses de preparativos e de anos de devaneios, um ousado acrobata francês chamado Philippe Petit subiu ao céu na parte sul da Manhattan. Por quase 45 minutos, ele caminhou de um lado para outro sobre um cabo de metal instalado entre as duas torres do World Trade Center, um feito ilegal de caminhada na corda bamba que, de acordo com um sargento do departamento de polícia do município que descreveu a façanha de Petit em uma espécie de poesia seca de entrevista coletiva, poderia ser definido mais precisamente como "uma dança".

Por muitos anos depois disso, o feito de Petit se tornou uma nota de pé de página, ainda que gloriosa, na história de Nova York, um dos momentos marcantes na vida maluca, horrível e deslumbrante da cidade. A destruição das torres gêmeas do World Trade Center no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 fez renascer as lembranças sobre o ataque estético precedente, que agora é tema de Man on Wire, um documentário meticuloso, discreto e fascinante dirigido por James Marsh.

Sabiamente, Marsh, que baseou seu trabalho em um livro de Petit, não faz menção ao 11 de setembro. Isso seria tanto incômodo quanto redundante, já que é impossível, em um filme que dedica atenção tão íntima às torres gêmeas, que o espectador não se deixe assombrar por pensamentos quanto ao que viria a acontecer a elas.

Mas também vale a pena relembrar que as torres inspiraram mais amor na destruição do que costumavam inspirar quando existiam. Petit representa uma exceção. Um praticante ousado e constante da corda-bamba "o termo francês 'funabulismo' é expressão tanto mais lírica quanto mais ridícula para sua atividade-, ele se apaixonou pelas torres antes mesmo que sua construção fosse concluída".

Da forma que ele recorda (e Marsh reencena a ocasião em uma das diversas cenas fictícias divertidas e nada incômodas que utiliza como parte do documentário), o jovem Petit estava folheando uma revista em um consultório médico quando viu uma reportagem sobre os planos para construir os dois arranha-céus mais altos do mundo lado a lado, na ponta sul de Manhattan. Em sua mente, e depois em uma série de desenhos e diagramas, ele desenhou uma linha que conectava os dois edifícios, e se viu caminhando por ela.

Que espécie de pessoa imaginaria algo assim? E de que maneira essa pessoa agiria para concretizar a façanha? Por que realizá-la? São essas as perguntas que preocupam Marsh, cujos filmes anteriores incluem o semidocumentário Wisconsin Death Trip e The King, um longa de ficção.

A primeira pergunta é respondida em larga medida pelo depoimento de Petit. Hoje na casa dos 50 anos, ele continua franzino e enérgico, uma combinação encantadora de fanfarrão, idealista e trapaceiro. E nos anos iniciais de sua trajetória, quando ele ainda era visto como marginal, antes que a caminhada entre as torres lhe desse fama e certa medida de legitimidade, Petit combinava um senso exaltado de missão artística com o senso de algazarra característico de um criminoso de rua.

Por isso, Man on Wire é organizado como um desses filmes que envolvem planos mirabolantes de roubo, a exemplo de Rififi ou dos filmes da franquia 11 Homens e um Segredo. Ainda que Petit estivesse sozinho no fio naquela manhã de agosto, sua caminhada no céu foi resultado de uma conspiração de verdadeiros crentes e aventureiros casuais. Nos seus dois atos anteriores de funambulismo guerrilheiro, na catedral de Notre-Dame, em Paris, e na Harbor Bridge de Sydney, ele contou com o apoio logístico e moral de diversos amigos, entre os quais sua namorada, Annie Alix, e seu fiel escudeiro Jean-Louis Blondeau.

Em entrevistas, eles e outros dos aliados de Petit - entre os quais dois malucos norte-americanos e Barry Greenhouse, um executivo de seguros dado à extravagância que exerceu um importante papel como agente infiltrado- reconstroem o projeto, ao qual se referiam então como 'o golpe', em detalhes fascinantes. Havia problemas de engenharia e também desafios que pareciam pertencer ao mundo da espionagem, bem como as tensões inevitáveis que despertam quando um grupo de pessoas tenta atingir um objetivo perigoso.

Por que eles o fizeram? Em lugar de correr o risco de banalidade ao propor a questão diretamente, Marsh permite que a resposta seja a um só tempo evidente e profundamente misteriosa. Uma obra de arte explica a si mesma, e o documentário não deixa dúvida de que a façanha de Petit merece a classificação arte. Blondeau, um homem mais sensível e mais intelectual que serve de contrapeso ao travesso Petit, fica com a voz embargada ao relembrar o momento em que o amigo começou a cruzar o abismo. "O importante é que nós o tenhamos feito", ele afirma.

E sem fazer quaisquer alegações grandiosas, esse filme tocante, sentimental, demonstra que a caminhada pelo céu entre as duas torres do World Trade Center foi de fato um evento importante. A prova está nas emoções - espanto, diversão, deslumbramento - evocadas pelas imagens daquela pequena figura humana que pendia sobre o abismo. Também gratidão. É fácil imaginar que, ao contemplar a escala e a solidez das torres que acabavam de ser inauguradas, Petit as tenha visto em certa medida como veículo de sua imortalidade (quer ele sobrevivesse à travessia, quer não). Ninguém que tenha contemplado o céu de Nova York naquela manhã enevoada, 34 anos atrás, poderia ter suspeitado que o oposto é que se provaria verdade.

The New York Times

Fonte:http://cinema.terra.com.br/interna/0,,OI3035484-EI1176,00.html

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